Sempre associada ao ressurgimento da vida e ao brotamento e florescimento das plantas, a primavera é a estação que marca o início de um novo ciclo de vida na natureza: o ano-novo do mundo natural.
Uma característica das plantas é a sazonalidade, ou seja, elas têm seu crescimento e metabolismo influenciados por estímulos do ambiente, como por exemplo a temperatura, disponibilidade de nutrientes no solo, período de exposição à luz solar (fotoperíodo), umidade e períodos de chuva ou seca.
Desta forma, cada planta apresenta uma resposta específica às mudanças de estações e para muitas espécies vegetais, é justamente a primavera que propicia as melhores condições para o crescimento e floração - coincidindo também com os períodos de maior atividade de animais que atuam como agentes polinizadores, principalmente insetos como abelhas e borboletas.
O desenvolvimento de uma flor exige um grande empenho metabólico por parte da planta, e como as flores são os órgãos de reprodução, o florescimento acontece perante as melhores condições do ambiente que propiciem a perpetuação da espécie. Todas as formas de vida são sincronizadas com os ciclos da natureza e as plantas são extremamente eficientes em distinguir mudanças sutis no ambiente e reagir a elas.
Para um grande número de plantas, a diferença de luminosidade entre dia e noite influencia a produção de hormônios vegetais, responsáveis pelo crescimento, floração, amadurecimento de frutos e senescência, por exemplo. Por este motivo, algumas plantas florescem em meses mais frios e muitas quando o inverno começa a dar lugar para a primavera. Existem ainda espécies que não dependem do fotoperíodo e florescem de modo independente às mudanças na quantidade de horas do dia iluminado e da noite.
O fotoperíodo é definido como a duração do dia iluminado em relação à noite em um período de 24 horas, sendo um fator que exerce influência sobre a floração de muitas plantas. A resposta biológica das plantas ao fotoperíodo recebe o nome de fotoperiodismo e as plantas que apresentam essa reação são chamadas de fotoperiódicas.
O fotoperiodismo é regulado pela presença e ação do fitocromo, que é um pigmento fotorreceptor, que consegue detectar as transições entre luz e escuro, responsável pelo controle da floração de diversas espécies vegetais, assim como a germinação e o crescimento das plântulas.
O fitocromo tem a capacidade de se converter de modo reversível em duas formas (que recebem os nomes de Pfr e Pr) e que absorvem a luz vermelha em comprimentos de onda diferentes. A transformação do fitocromo Pfr em fitocromo Pr acontece durante o período escuro. Em algumas plantas (chamadas "plantas de dia curto"), o fitocromo Pfr atua como inibidor da floração e se as noites são mais longas que o período de dia iluminado, o fitocromo Pfr é convertido em Pr, fazendo com que a planta floresça.
Por outro lado, nas plantas denominadas de "dia longo", o fitocromo Pfr induz a floração, e a planta floresce quando o período de escuridão é mais curto. Muitos pesquisadores preferem utilizar os termos "plantas de noite longa" e "plantas de noite curta", uma vez que o fator determinante está relacionado às horas contínuas de escuridão.
Primavera significa "primeiro verão", palavra derivada do latim "primo vere". Há muito tempo atrás, o ano era dividido em dois grandes períodos: um de clima mais quente, celebrado pelo florescimento e outro de clima mais frio, celebrado pela colheita.
Foi somente a partir do século XVII, que o ano passou a ser dividido nas quatro estações que hoje conhecemos: a primavera (princípio da boa estação), o verão (tempo da frutificação), o outono (tempo de ocaso) e o inverno (tempo de hibernar).
Essa divisão é muito mas relacionada ao hemisfério norte, onde as estações são muito marcantes, ao contrário do hemisfério sul que apresenta com mais evidência, a presença de dois períodos: o de seca e o de chuvas. Essa diferença entre as estações nos hemisférios está relacionada com a maior presença das áreas continentais no hemisfério norte e maior presença de áreas oceânicas no hemisfério sul.
Muito antes da existência de ciências que trouxessem explicações baseadas em comprovações, como as que hoje conhecemos, a natureza e seus ciclos sazonais, já inspiravam e instigavam a humanidade a compreender e marcar o tempo, em tentativas para prever o ciclo seguinte. Dividir o tempo e contar as repetições de períodos de chuva, de seca, de calor ou de frio, por exemplo, eram de extrema importância para a sobrevivência, permitindo plantio, cultivo, colheita e estocagem de alimentos.
Olhar para o céu e se guiar pelo movimento aparente do Sol foi o princípio da criação dos primeiros sistemas de contagem do tempo, originando os primeiros relógios de Sol, que são os mais antigos instrumentos conhecidos para marcar a passagem do tempo ao longo do dia. Sua criação foi possível através da observação do ciclo do Sol e da variação da sombra dos objetos.
Os primeiros relógios de Sol conhecidos são monumentos de grande proporção construídos com grandes blocos de pedra bruta, por civilizações da Babilônia e do Antigo Egito.
Os monumentos megalíticos marcavam posições do movimento aparente do Sol, em dias específicos, indicando por exemplo o último dia do inverno, em marcações bem precisas das mudanças de estações (solstícios e equinócios). Alguns monumentos como Stonehenge (Inglaterra) e o Cromeleque dos Almendres (Portugal) marcavam também as fases Lua e eram usados não somente como grandes observatórios como também tinham grande importância para festividades de cada cultura.
Em muitas civilizações antigas, os alinhamentos de sombras e marcações atingiram grande sofisticação nas construções de templos, como Kukulkán em Chichen Itza, no México, quando segundo a mitologia, o deus serpente desce à Terra para expulsar a estação seca.
Conforme os diversos eventos naturais eram acompanhados repetidamente por milhares de ano, novas tecnologias eram criadas, permitindo cada vez mais a compreensão dos ciclos, até o momento que muitos deles puderam ser previstos com antecipação por modelos matemáticos.
Diversos calendários foram criados para contar o tempo e marcar os dias, baseados no movimento do Sol, nas fases da Lua ou ambos.
A posição das estrelas também foi muito importante para povos antigos, como os egípcios, que acompanhavam cada amanhecer no horizonte até que a estrela Sirius (então chamada Sothis, deificação de Sótis ou Sopdet - a deusa da fertilidade do solo) ficasse visível pouco antes do sol aparecer. Este era o sinal que a época de cheia do Rio Nilo estava próxima e, consequentemente, era o momento de trabalhar a terra.
Os eventos celestes eram ligados em pelo menos três diferentes sistemas de contagem do tempo, usados simultaneamente pelos egípcios. Para a civilização egípcia, o ano era dividido em três partes: período das cheias, período de plantio e período da colheita, onde cada ciclo durava aproximadamente quatro meses.
Da mesma forma que o céu era muito valorizado como um grande indicativo do que aconteceria na Terra, cada povo e civilização também projetou suas tradições culturais na natureza e nas estrelas, através da mitologia e da representação de deusas, deuses e respectivos fenômenos atribuídos, nomeando as constelações e associando suas divindades aos planetas e fenômenos meteorológicos.
A chegada da primavera deu origem a diversos festivais para celebrar a fertilidade do solo, que ao longo do tempo foram incorporadas por novas culturas e crenças ou banidas por outras.
A cosmovisão de cada povo trazia uma compreensão peculiar dos ciclos naturais, assim como as narrativas e histórias de suas divindades eram associadas aos ciclos de vida de plantas e animais. Uma das histórias mais populares que traz uma explicação bastante poética sobre a existência das estações vem da mitologia grega e da relação de mãe e filha: Deméter e Perséfone.
Para os gregos, o mundo havia sido dividido em domínios após conflitos entre os deuses: Hades (Plutão, para os romanos) reinava o submundo, Poseidon dominava dos mares e Zeus era o deus dos céus e da terra, cada qual soberano em seu domínio.
Hades se apaixonou por Perséfone, filha de Deméter (a deusa da fertilidade do solo) e a raptou, levando-a para o submundo. Os pedidos de ajuda de Perséfone não foram ouvidos e sua mãe passou a procurá-la por muitos dias, sem encontrar qualquer sinal de sua filha. Dez dias depois, Deméter soube através de outros deuses, que sua filha estava no submundo, e tomada por imensa tristeza, fugiu e se refugiou em Elêusis, abandonando suas tarefas. Longe dos campos e do cultivo, Deméter traz a infertilidade e seca ao solo. E o mundo passou a viver um período de fome.
Pinax de Perséfone e Hades. (Foto: AlMare, CC BY-SA 4.0 , via Wikimedia Commons)
Preocupado com a situação da humanidade, Zeus solicita a Deméter que volte ao trabalho de colheita dos campos, mas a deusa se recusa e informa que somente retornaria se sua filha voltasse. Hermes, o mensageiro dos deuses, é enviado por Zeus ao submundo com ordens para trazer Perséfone de volta.
Hades concorda com o pedido de Zeus, mas entrega uma romã para Perséfone, que não sabia que comer frutos do domínio de Hades a obrigariam a retornar ao submundo posteriormente.
Ao comer a romã, Perséfone selou seu vínculo com o submundo.
Para resolver a questão, Zeus propões que Perséfone passe uma parte do ano com Hades e outra parte com sua mãe (em algumas fontes, o período equivale a metade do ano ou um terço deste). Quando Perséfone retornava ao submundo, sua mãe traz a infertilidade à terra, em demonstração de sua tristeza, que só é substituída pela alegria do reencontro com sua fila, trazendo de volta a fertilidade dos campos - a primavera!
Para os romanos, a deusa ninfa Flora representava a força da natureza, capaz de fazer as árvores e jardins florescerem. Após seu casamento público com Zéfiro, deus do vento, Flora passou a reinar sobre as flores dos campos cultivados também.
O mel e as sementes das flores são considerados presentes de Flora para a humanidade.
Flora era honrada e celebrada em um festival romano chamado Floralia, que era relacionado ao ciclo agrário.
Esse festival abrangia representações teatrais, encenações de mímica, solturas de animais associados à fertilidade e uso de vestimentas coloridas, assim como a abundância e variedades de flores utilizadas como decoração.
(Foto: Flora - Stabiae - villa di Arianna por ArchaiOptix, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)
Segundo a Astronomia, o equinócio é definido como o instante em que o Sol, em sua órbita aparente (vista da Terra), cruza o equador celeste (a linha do equador terrestre projetada na esfera celeste), fazendo com que ambos os hemisférios da Terra sejam igualmente iluminados pelo Sol.
A palavra “equinócio” tem origem no Latim "aequus" (igual) e "nox" (noite), indicando ser o momento no qual o dia iluminado e a noite tem a mesma duração.
A inclinação do eixo da Terra em relação à sua órbita ao redor do Sol que propicia os ciclos diferentes de noites mais longas e dias mais curtos em um hemisfério, e noites mais curtas e dias mais longos no outro hemisfério. Em dois momentos do ano - os equinócios - esses períodos são igualados.
Em 2023, no Hemisfério Sul, a primavera terá início às 03:49h do dia 23 de setembro.
É tempo de resgatarmos nossa conexão com a natureza, de olharmos para a natureza com admiração e respeito, de recuperarmos nosso pertencimento aos ciclos que também nos regem e aproveitarmos essa data para iniciar uma nova relação com a vida do planeta.
Feliz ano-novo do mundo natural!
Por: Patrícia Dijigow