O fascínio despertado pelas plantas fez com que, há milênios, fossem coletadas para que estudos pudessem investigar seu valor como alimento, tempero, remédio, ornamental, ritualístico ou mitológico.
Ao longo da história da humanidade, muitos exploradores de plantas se aventuraram em longas e arriscadas viagens de barco, em busca de novas espécies vegetais, que foram coletadas, estudadas, desenhadas, catalogadas e também exploradas ou cultivadas.
Uma das primeiras exploradoras de plantas que se tem conhecimento foi a rainha Hatshepsut, faraó do Egito, que transportou diversas árvores aromáticas para a região onde vivia. As plantas sempre foram protagonistas dos jardins, das práticas ritualísticas, dos cuidados com o corpo e medicina da civilização egípcia.
O estudo das plantas terapêuticas (medicinais) e daquelas cultivadas como alimento foram muito importantes para que diversas áreas do conhecimento científico começassem a se desenvolver, como a Fisiologia, a Farmácia e a Medicina.
E ainda que por muitos séculos as navegações fossem exclusividade dos homens, há na história o exemplo da corajosa Jeanne Baret, que se disfarçou de homem para embarcar em uma aventura em busca de novas plantas.
As novas espécies de plantas então descobertas foram inicialmente muito bem controladas pelos colonizadores, em dois grandes domínios determinados pelo Tratado de Tordesilhas de acesso quase exclusivo aos espanhóis e portugueses. Nessa época, contrabandistas de mudas e sementes arriscaram a vida, em conflitos e monopólios semelhantes ao do mercado de especiarias.
As plantas desconhecidas pelo Velho Mundo como árvores, as bromélias, orquídeas, e até os fungos (Reino Fungi), tiveram sua catalogação e primeiros estudos realizados por naturalistas, pesquisadores, botânicos, médicos e exploradores inicialmente entre os séculos XVI e XVIII, mostrando com isso um novo panorama sobre a biodiversidade mundial.
São esses registros que até hoje possuem um valor histórico imensurável, visto que daqueles tempos para cá, muitas espécies deixaram de ser encontradas na natureza ou correm risco de extinção.
Apesar de muitos avanços tecnológicos e sociais, os desafios de estudar as plantas permanecem quase inalterados. Estudar plantas através da Botânica implica em se deslocar até o local onde elas vivem naturalmente, se aventurar por trilhas, carregando equipamentos delicados e essenciais para a pesquisa de campo, se submeter ao clima, aos ataques de insetos ou outros animais (com os respectivos riscos de doenças transmitidas ou picadas venenosas) além da necessidade de realizar grandes caminhadas.
Por trás do estudo das plantas, existe ainda o aprendizado do latim e todo o delicado processo de secagem de amostras coletadas para herbários - um trabalho manual, minucioso e que demanda tempo, paciência e muita dedicação. A fotografia auxilia muito nos registros, ainda que os desenhos e ilustrações científicas sejam fundamentais e obrigatórios para os estudos de morfologia, anatomia e taxonomia das plantas.
Se nos dias de hoje podemos contar com diversos dispositivos para saber a localização exata, com um GPS, além de diversas facilidades de transporte e deslocamento, é realmente difícil vislumbrarmos a dimensão de aventuras, desafios e perigos dos primeiros naturalistas vivenciaram. Eles abriram caminhos, criaram mapas e rotas, utilizando instrumentos manuais e cálculos matemáticos, aprenderam novos idiomas e percorreram quilômetros de matas até então desconhecidas, carregando o peso de suas coletas, cientes do valor precioso desse material.
Ao chegarem em um novo território com a intenção de investigar a flora, o único contato era com a natureza ao redor - longe de familiares, amigos e das tradições de sua terra natal mas vivendo uma experiência grandiosa de questionamentos sobre o que é a vida.
Conheça alguns desses aventureiros:
Spix & Martius
Os naturalistas alemães Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) percorreram o Brasil, realizando o registro de milhares de animais e plantas durante expedição realizada entre 1817 e 1820. Este levantamento inédito da biodiversidade brasileira, reuniu cerca de 9.000 espécies de plantas e animais, formando a base da coleção do Museu de História Natural de Munique, e a publicação da obra Viagem pelo Brasil (1817 - 1820) - que revela um país ainda hoje pouco conhecido por seus habitantes.
A obra Flora brasiliensis, a maior referência para a botânica brasileira, foi produzida na Alemanha entre 1840 e 1906, por Carl Friedrich Philipp von Martius, August Wilhelm Eichler e Ignatz Urban, com a participação de 65 especialistas de vários países.
Saint-Hilaire
Outro botânico e naturalista que realizou pesquisas no Brasil, foi o francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire ou Auguste de Saint-Hilaire (1779 - 1853). Entre os anos de 1816 e 1822, suas expedições reuniram cerca de 24 mil espécimes de plantas, a maioria descrita então pela primeira vez. Seu maior interesse estava nas plantas terapêuticas e comuns na alimentação e tradições locais. Em 1822, após envenenamento por mel de vespa, Saint-Hillaire retornou à França, com a saúde bastante abalada.
Os cadernos de campo de Saint-Hilaire são famosos pela riqueza de aspectos retratados da biologia, geografia, agricultura, comércio, arte, religião, administração, costumes e tradições indígenas. Entre suas obras, se destacam Plantas usuais do povo brasileiro, Flora do Brasil Meridional (ilustrações acima) e sua primeira publicação Viagem do Rio a Minas Gerais, de 1830.
Richard Spruce
Richard Spruce (1817 - 1893) foi um médico e naturalista britânico que por 15 anos explorou e estudou Amazônia, recolhendo informações de aproximadamente 30 mil espécimes vegetais da Amazônia e região dos Andes, descrevendo novas espécies e relatando muitos dos usos pelos povos tradicionais, área de conhecimento hoje conhecida por Etnobotânica.
Seu trabalho contribuiu para o entendimento das crenças e práticas nativas, para o conhecimento das propriedades e usos das plantas, no contexto amazônico e também para a exploração econômica de espécies locais, principalmente dos gêneros Hevea (seringueira, na foto abaixo) e Cinchona (quina).
Adolfo Danque
O austríaco Adolfo Danque (1876 - 1959) foi um botânico, entomólogo e etnólogo, estudioso do sistema florestal da Amazônia e principalmente das plantas leguminosas.
Sua pesquisa abrange a descrição de 900 espécies e 50 gêneros de plantas (principalmente árvores) , contribuições para o Museu Paraense, Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Instituto Agronômico do Norte. Considerado uma das mais importantes autoridades sobre a flora amazônica de sua época, Danque se preocupava com o futuro da Floresta Amazônica, sugerindo ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) a criação de reservas naturais. A reserva que leva seu nome foi criada somente após sua morte. O Jardim Botânico de Manaus também o homenageia com seu nome.
Frederico Carlos Hoehne
Frederico Carlos Hoehne (1882 - 1959) foi um notável botânico brasileiro, pioneiro no campo da proteção à natureza do Brasil. Aos 8 anos de idade, iniciou a sua coleção de orquídeas, interesse que lhe rendeu na vida adulta o título de maior especialista em orquídeas do Brasil e um dos mais renomados mundialmente. Em 1917 assumiu o cargo de chefe do Departamento de Botânica do Instituto Butantã. Atuou na Seção de Botânica do Museu Paulista, no Instituto Biológico, projetou o Jardim Botânico de São Paulo e fundou o Instituto de Botânica, uma das mais importantes instituições de pesquisa da área no mundo. Sua obra Iconografia de Orchidaceas do Brasil, de 1949, é uma referência mundial para a pesquisa e todas as pessoas apaixonadas por orquídeas.
Seu legado se estende para a atualidade, após dedicar sua vida à conscientização sobre a importância da preservação ambiental, a importância das árvores nativas para as áreas urbanas, a necessidade de preservação das florestas e ambientes naturais do Brasil, da conservação de espécies, além de ser um dos pioneiros nas práticas de educação ambiental. Hoehne deixou mais de 600 publicações entre artigos, matérias e livros, que possibilitaram à ciência uma amplitude no conhecimento sobre a flora brasileira.
Até hoje, o trabalho de botânicas e botânicos preserva muitas características originais da pesquisa de campo, do deslocamento, da procura, observação, coleta para a continuidade da pesquisa, de dedicação e doação da vida ao estudo das plantas. É exatamente essa característica, muitas vezes árdua, que faz da Botânica uma área de permanente e de profunda conexão com a natureza.
Por: Patrícia Dijigow
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